09 maio, 2018

Quando tudo diz que não...

Não é fácil seguir em frente quando o coração dói e tudo que temos são lágrimas...
Mas, quando se tem fé, sabe-se que, mesmo nas maiores tempestades, Deus continua ao nosso lado.

Passei por momentos difíceis. Afinal, a vida é assim, momentos alegres e momentos tristes se revezam... sem pedir licença e sem explicar.

Também tive momentos de grande alegria .

Hoje, vivo momentos de paz e descanso em Deus, mesmo que ainda não veja meus sonhos todos realizados, mesmo que ainda tenha dúvidas e inúmeras vezes chore aos pés de Jesus.

A verdade, é que Ele é minha força, sempre foi, sempre será!

Como Santa Teresinha, quero viver a "pequena via" do Amor...
Amar, amar, amar...
Ser cada dia mais parecida com Jesus...

Que Ele cresça, e eu diminua!

01 abril, 2013

O louvor de Cristo

Da Homilia sobre a Páscoa, de Melitão, bispo de Sardes

(Nn.2-7.100-103: SCh123,60-61.120-122)  (Séc.II)

 

   Prestai atenção, caríssimos: o mistério pascal é ao mesmo tempo novo e antigo, eterno e transitório, corruptível e incorruptível, mortal e imortal.

        É mistério antigo segundo a Lei, novo segundo a Palavra que se fez carne; transitório pela figura, eterno pela graça; corruptível pela imolação do cordeiro, incorruptível pela vida do Senhor; mortal pela sua sepultura na terra, imortal pela sua ressurreição dentre os mortos. 

        A Lei, na verdade, é antiga, mas a Palavra é nova; a figura é transitória, mas a graça é eterna; o cordeiro é corruptível, mas o Senhor é incorruptível, ele que,imolado como cordeiro, ressuscitou como Deus. 

        Na verdade, era como ovelha levada ao matadouro, e contudo não era ovelha; eracomo cordeiro silencioso (Is 53,7), e no entanto não era cordeiro. Porque a figura passou e apareceu a realidade perfeita: em lugar de um cordeiro, Deus; em vez de uma ovelha, o homem; no homem, porém, apareceu Cristo que tudo contém. 

        Por conseguinte, a imolação da ovelha, a celebração da páscoa e a escritura da Lei tiveram a sua perfeita realização em Jesus Cristo; pois tudo o que acontecia na antiga Lei se referia a ele, e mais ainda na nova ordem, tudo converge para ele. 

        Com efeito, a Lei fez-se Palavra e, de antiga, tornou-se nova (ambas oriundas de Sião e de Jerusalém); o preceito deu lugar à graça, a figura transformou-se em realidade, o cordeiro em Filho, a ovelha em homem e o homem em Deus.

        O Senhor, sendo Deus, fez-se homem e sofreu por aquele que sofria; foi encarcerado em lugar do prisioneiro, condenado em vez do criminoso e sepultado em vez do que jazia no sepulcro; ressuscitou dentre os mortos e clamou com voz poderosa: “Quem é que me condena? Que de mim se aproxime (Is 50,8). Eu libertei o condenado, dei vida ao morto, ressuscitei o que estava sepultado. Quem pode me contradizer? Eu sou Cristo, diz ele, que destruí a morte, triunfei do inimigo, calquei aos pés o inferno, prendi o violento e arrebatei o homem para as alturas dos céus. Eu, diz ele, sou Cristo.

        Vinde, pois, todas as nações da terra oprimidas pelo pecado e recebei o perdão. Eu sou o vosso perdão, vossa páscoa da salvação, o cordeiro por vós imolado, a água que vos purifica, a vossa vida, a vossa ressurreição, a vossa luz, a vossa salvação, o vosso rei. Eu vos conduzirei para as alturas, vos ressuscitarei e vos mostrarei o Pai que está nos céus; eu vos levantarei com a minha mão direita”.

 

                                                cordeiro-de-deus

24 março, 2013

Reflexão–domingo de Ramos

Este domingo do ano – de Ramos – sempre me leva a refletir.

Além de ser o início da Semana Santa, faz-me pensar naquelas pessoas que levavam seus ramos na entrada de Jesus em Jerusalém, aclamando-o, bradando: “Hosana ao Filho de Davi! Hosana ao Rei!”.

Reconheceram-no como Rei, no entanto não hesitaram, menos de uma semana depois, a bradar: “crucifica-o!” diante de Pilatos.

O Rei, o Salvador, o criminoso. Como pensava esse povo? O que tinha no coração? Sede de poder? Medo? Insegurança? Egoísmo? A esperança do domingo de Ramos se vai na sexta feira da Paixão… porque?

Nunca saberemos o que havia no coração e na mente daquele povo… mas podemos analisar os nossos!!!

O que percebo, é que hoje fazemos exatamente a mesma coisa. 2000 anos depois, continuamos exaltando o Cristo num dia, e crucificando-o no dia seguinte.

Como? Com nossos atos, pecados, falta de confiança.

Cada vez que entregamos um problema em suas mãos o glorificamos, o exaltamos como Senhor de nossas vidas e de todas as situações. Mas quando o “milagre” não acontece no tempo esperado, da maneira que queremos, muitas vezes culpamos Deus e tentamos resolver à nossa maneira. É neste momento que o crucificamos, sendo ingratos com seu amor tão grande.

Esta semana que se inicia é tempo de reflexão ainda mais intenso.

Que cada um de nós possa olhar para si e ver, que temos dentro de nós tanto o bem quanto o mal, e somos capazes tanto de glorificar a Deus quanto de crucificá-lo novamente com nossas escolhas.

Oremos! E uma santa semana para todos…

                   ramos

Homilia Papa Francisco–Domingo de Ramos

Homilia completa do Papa Francisco na missa de hoje de Domingo de Ramos, Dia Mundial da Juventude, na Praça São Pedro:


1. Jesus entra em Jerusalém. A multidão dos discípulos acompanha-O em festa, os mantos são estendidos diante d’Ele, fala-se dos prodígios que realizou, ergue-se um grito de louvor: «Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!» (Lc 19, 38).
Multidão, festa, louvor, bênção, paz: respira-se um clima de alegria. Jesus despertou tantas esperanças no coração, especialmente das pessoas humildes, simples, pobres, abandonadas, pessoas que não contam aos olhos do mundo. Soube compreender as misérias humanas, mostrou o rosto misericordioso de Deus, inclinou-Se para curar o corpo e a alma. E agora entra na Cidade Santa…
É um espetáculo lindo: cheio de luz, de alegria, de festa.
No início da Missa, também nós o reproduzimos. Agitámos os nossos ramos de palmeira e de oliveira, cantando: «Bendito o Rei que vem em nome do Senhor» (Antífona); também nós acolhemos Jesus; também nós manifestamos a alegria de O acompanhar, de O sentir perto de nós, presente em nós e no nosso meio, como um amigo, como um irmão, mas também como rei, isto é, como farol luminoso da nossa vida. E aqui temos a primeira palavra: alegria! Nunca sejais homens, mulheres tristes: um cristão não o pode ser jamais! Nunca vos deixeis invadir pelo desânimo! A nossa alegria não nasce do facto de possuirmos muitas coisas, mas de termos encontrado uma Pessoa: Jesus, de sabermos que, com Ele, nunca estamos sozinhos, mesmo nos momentos difíceis, mesmo quando o caminho da vida é confrontado com problemas e obstáculos que parecem insuperáveis… e há tantos! Nós acompanhamos, seguimos Jesus, mas sobretudo sabemos que Ele nos acompanha e nos carrega aos seus ombros: aqui está a nossa alegria, a esperança que devemos levar a este nosso mundo. Levemos a todos a alegria da fé!
2. Há uma pergunta, porém, que nos devemos pôr: Para que entra Jesus em Jerusalém? Ou talvez melhor: Como entra Jesus em Jerusalém? A multidão aclama-O como Rei. E Ele não Se opõe, não a manda calar (cf. Lc 19, 39-40). Mas, que tipo de Rei seria Jesus? Vejamo-Lo… Monta um jumentinho, não tem uma corte como séquito, nem está rodeado de um exército como símbolo de força. Quem O acolhe são pessoas humildes, simples. Jesus não entra na Cidade Santa, para receber as honras reservadas aos reis terrenos, a quem tem poder, a quem domina; entra para ser flagelado, insultado e ultrajado, como preanuncia Isaías na Primeira Leitura (cf. Is 50, 6); entra para receber uma coroa de espinhos, uma cana, um manto de púrpura (a sua realeza será objecto de ludíbrio); entra para subir ao Calvário carregado com um madeiro. E aqui temos a segunda palavra: Cruz. Jesus entra em Jerusalém para morrer na Cruz. E é precisamente aqui que refulge o seu ser Rei segundo Deus: o seu trono real é o madeiro da Cruz! Recordemos a eleição do rei David: Deus escolhe não o mais forte, o mais valoroso, mas o último, o mais novo, aquele que ninguém tinha considerado. O que conta não é a força terrena. Diante de Pilatos, Jesus diz: Eu sou Rei; mas a sua força é a força de Deus, que enfrenta o mal do mundo, o pecado que desfigura o rosto do homem. Jesus toma sobre Si o mal, a sujeira, o pecado do mundo, incluindo o nosso pecado, e lava-o; lava-o com o seu sangue, com a misericórdia, com o amor de Deus. Olhemos ao nosso redor… Tantas feridas infligidas pelo mal à humanidade: guerras, violências, conflitos económicos que atingem quem é mais fraco, avidez de dinheiro, de poder, corrupção, divisões, crimes contra a vida humana e contra a criação! E os nossos pecados pessoais: as faltas de amor e respeito para com Deus, com o próximo e com a criação inteira. Na cruz, Jesus sente todo o peso do mal e, com a força do amor de Deus, vence-o, derrota-o na sua ressurreição. Queridos amigos, todos nós podemos vencer o mal que existe em nós e no mundo: com Cristo, com o Bem! Sentimo-nos fracos, inaptos, incapazes? Mas Deus não procura meios poderosos: foi com a cruz que venceu o mal! Não devemos crer naquilo que o Maligno nos diz: não podes fazer nada contra a violência, a corrupção, a injustiça, contra os teus pecados! Não devemos jamais habituar-nos ao mal! Com Cristo, podemos transformar-nos a nós mesmos e ao mundo. Devemos levar a vitória da Cruz de Cristo a todos e por toda a parte; levar este amor grande de Deus. Isto requer de todos nós que não tenhamos medo de sair de nós mesmos, de ir ao encontro dos outros. Na Segunda Leitura, São Paulo diz-nos que Jesus Se despojou de Si próprio, assumindo a nossa condição, e veio ao nosso encontro (cf. Fil 2, 7). Aprendamos a olhar não só para o alto, para Deus, mas também para baixo, para os outros, para os últimos. E não devemos ter medo do sacrifício. Pensai numa mãe ou num pai: quantos sacrifícios! Mas porque os fazem? Por amor! E como os enfrentam? Com alegria, porque são feitos pelas pessoas que amam. Abraçada com amor, a cruz de Cristo não leva à tristeza, mas à alegria.
3. Hoje, nesta Praça, há tantos jovens. Desde há 28 anos que o Domingo de Ramos é a Jornada da Juventude! E aqui aparece a terceira palavra: jovens! Queridos jovens, imagino-vos fazendo festa ao redor de Jesus, agitando os ramos de oliveira; imagino-vos gritando o seu nome e expressando a vossa alegria por estardes com Ele! Vós tendes um parte importante na festa da fé! Vós trazeis-nos a alegria da fé e dizeis-nos que devemos viver a fé com um coração jovem, sempre… mesmo aos setenta, oitenta anos! Com Cristo, o coração nunca envelhece. Entretanto todos sabemos – e bem o sabeis vós – que o Rei que seguimos e nos acompanha, é muito especial: é um Rei que ama até à cruz e nos ensina a servir, a amar. E vós não tendes vergonha da sua Cruz; antes, abraçai-la, porque compreendestes que é no dom de si mesmo que se alcança a verdadeira alegria e que Deus venceu o mal com o amor. Vós levais a Cruz peregrina por todos os continentes, pelas estradas do mundo. Levai-la, correspondendo ao convite de Jesus: «Ide e fazei discípulos entre as nações» (cf. Mt 28, 19), que é o tema da Jornada da Juventude deste ano. Levai-la para dizer a todos que, na cruz, Jesus abateu o muro da inimizade, que separa os homens e os povos, e trouxe a reconciliação e a paz. Queridos amigos, na esteira do Beato João Paulo II e de Bento XVI, também eu me ponho a caminho convosco. Já estamos perto da próxima etapa desta grande peregrinação da Cruz de Cristo. Olho com alegria para o próximo mês de Julho, no Rio de Janeiro. Vinde! Encontramo-nos naquela grande cidade do Brasil! Preparai-vos bem, sobretudo espiritualmente, nas vossas comunidades, para que o referido Encontro seja um sinal de fé para o mundo inteiro.
Vivamos a alegria de caminhar com Jesus, de estar com Ele, levando a sua Cruz, com amor, com um espírito sempre jovem!
Peçamos a intercessão da Virgem Maria. Que Ela nos ensine a alegria do encontro com Cristo, o amor com que O devemos contemplar ao pé da cruz, o entusiasmo do coração jovem com que O devemos seguir nesta Semana Santa e por toda a nossa vida. Amen.

20 março, 2013

Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (Sl 85,1: CCL39,1176-1177) (Séc.V)

Jesus Cristo ora por nós, ora em nós,

e recebe a nossa oração

Deus não poderia conceder dom maior aos homens do que dar-lhes como Cabeça a sua Palavra,

pela qual criou todas as coisas, e a ela uni-los como membros, para que o Filho de Deus fosse

também filho do homem, um só Deus com o Pai, um só homem com os homens. Por

conseguinte, quando dirigimos a Deus nossas súplicas, não separemos dele o Filho; e, quando o

Corpo do Filho orar, não separe de si sua Cabeça. Deste modo, o único salvador de seu corpo,

nosso Senhor Jesus Cristo, é o mesmo que ora por nós, ora em nós e recebe a nossa oração.

Ele ora por nós como nosso sacerdote; ora em nós como nossa cabeça e recebe a nossa oração

como nosso Deus.

Reconheçamos nele a nossa voz, e em nós a sua voz. E quando se disser sobre o Senhor Jesus,

sobretudo nos profetas, algo referente àquela humilhação aparentemente indigna de Deus, não

hesitemos em lhe atribuir, já que ele não hesitou em fazer-se um de nós. É a ele que toda a

criação serve, porque todo o universo é obra de suas mãos.

Por isso, contemplamos sua divindade e majestade, quando ouvimos: No princípio era a

Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. No princípio estava ela com

Deus. Tudo foi feito por ela e sem ela nada se fez (Jo 1,1-3). Mas se nesta passagem

contemplamos a divindade do Filho de Deus que supera as mais excelsas criaturas, ouvimos

também em outras passagens da Escritura o mesmo Filho de Deus que geme, ora e louva.

Hesitamos então em atribuir-lhe tais palavras, porque nosso pensamento reluta em passar da

contemplação de sua divindade à sua humilhação, como se fosse uma injúria reconhecer como

homem aquele a quem orávamos como a Deus; por isso, o nosso pensamento fica muitas vezes

perplexo, e esforça-se por alterar o sentido das palavras. Porém, não encontramos na Escritura

recurso algum para aplicar tais palavras senão ao Filho de Deus, sem jamais separá-las dele.

Despertemos, pois, e estejamos vigilantes na fé. Consideremos aquele que assumiu a condição

de servo, a quem há pouco contemplávamos na condição de Deus; tornando-se semelhante aos

homens e sendo visto como homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte

(cf. Fl 2,7-8). E quis tornar suas as palavras do salmo, ao dizer, pregado na cruz: Meu Deus,

meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,1).

Ele ora na sua condição de servo, e recebe a nossa oração na sua condição de Deus; ali é

criatura, aqui o Criador; sem sofrer mudança, assumiu a condição mutável da criatura, fazendo

de nós, juntamente comele, um só homem, cabeça e corpo. Nossa oração, pois, se dirige a ele,

por ele e nele; oramos juntamente com ele e ele ora juntamente conosco.

19 março, 2013

AFINIDADE

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
... Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.
Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.
Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.
Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.
Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.
A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.
Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido?
A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem.
Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.
Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,
plantios de resultado diverso.
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.
Arthur da Távola