01 abril, 2013

O louvor de Cristo

Da Homilia sobre a Páscoa, de Melitão, bispo de Sardes

(Nn.2-7.100-103: SCh123,60-61.120-122)  (Séc.II)

 

   Prestai atenção, caríssimos: o mistério pascal é ao mesmo tempo novo e antigo, eterno e transitório, corruptível e incorruptível, mortal e imortal.

        É mistério antigo segundo a Lei, novo segundo a Palavra que se fez carne; transitório pela figura, eterno pela graça; corruptível pela imolação do cordeiro, incorruptível pela vida do Senhor; mortal pela sua sepultura na terra, imortal pela sua ressurreição dentre os mortos. 

        A Lei, na verdade, é antiga, mas a Palavra é nova; a figura é transitória, mas a graça é eterna; o cordeiro é corruptível, mas o Senhor é incorruptível, ele que,imolado como cordeiro, ressuscitou como Deus. 

        Na verdade, era como ovelha levada ao matadouro, e contudo não era ovelha; eracomo cordeiro silencioso (Is 53,7), e no entanto não era cordeiro. Porque a figura passou e apareceu a realidade perfeita: em lugar de um cordeiro, Deus; em vez de uma ovelha, o homem; no homem, porém, apareceu Cristo que tudo contém. 

        Por conseguinte, a imolação da ovelha, a celebração da páscoa e a escritura da Lei tiveram a sua perfeita realização em Jesus Cristo; pois tudo o que acontecia na antiga Lei se referia a ele, e mais ainda na nova ordem, tudo converge para ele. 

        Com efeito, a Lei fez-se Palavra e, de antiga, tornou-se nova (ambas oriundas de Sião e de Jerusalém); o preceito deu lugar à graça, a figura transformou-se em realidade, o cordeiro em Filho, a ovelha em homem e o homem em Deus.

        O Senhor, sendo Deus, fez-se homem e sofreu por aquele que sofria; foi encarcerado em lugar do prisioneiro, condenado em vez do criminoso e sepultado em vez do que jazia no sepulcro; ressuscitou dentre os mortos e clamou com voz poderosa: “Quem é que me condena? Que de mim se aproxime (Is 50,8). Eu libertei o condenado, dei vida ao morto, ressuscitei o que estava sepultado. Quem pode me contradizer? Eu sou Cristo, diz ele, que destruí a morte, triunfei do inimigo, calquei aos pés o inferno, prendi o violento e arrebatei o homem para as alturas dos céus. Eu, diz ele, sou Cristo.

        Vinde, pois, todas as nações da terra oprimidas pelo pecado e recebei o perdão. Eu sou o vosso perdão, vossa páscoa da salvação, o cordeiro por vós imolado, a água que vos purifica, a vossa vida, a vossa ressurreição, a vossa luz, a vossa salvação, o vosso rei. Eu vos conduzirei para as alturas, vos ressuscitarei e vos mostrarei o Pai que está nos céus; eu vos levantarei com a minha mão direita”.

 

                                                cordeiro-de-deus

24 março, 2013

Reflexão–domingo de Ramos

Este domingo do ano – de Ramos – sempre me leva a refletir.

Além de ser o início da Semana Santa, faz-me pensar naquelas pessoas que levavam seus ramos na entrada de Jesus em Jerusalém, aclamando-o, bradando: “Hosana ao Filho de Davi! Hosana ao Rei!”.

Reconheceram-no como Rei, no entanto não hesitaram, menos de uma semana depois, a bradar: “crucifica-o!” diante de Pilatos.

O Rei, o Salvador, o criminoso. Como pensava esse povo? O que tinha no coração? Sede de poder? Medo? Insegurança? Egoísmo? A esperança do domingo de Ramos se vai na sexta feira da Paixão… porque?

Nunca saberemos o que havia no coração e na mente daquele povo… mas podemos analisar os nossos!!!

O que percebo, é que hoje fazemos exatamente a mesma coisa. 2000 anos depois, continuamos exaltando o Cristo num dia, e crucificando-o no dia seguinte.

Como? Com nossos atos, pecados, falta de confiança.

Cada vez que entregamos um problema em suas mãos o glorificamos, o exaltamos como Senhor de nossas vidas e de todas as situações. Mas quando o “milagre” não acontece no tempo esperado, da maneira que queremos, muitas vezes culpamos Deus e tentamos resolver à nossa maneira. É neste momento que o crucificamos, sendo ingratos com seu amor tão grande.

Esta semana que se inicia é tempo de reflexão ainda mais intenso.

Que cada um de nós possa olhar para si e ver, que temos dentro de nós tanto o bem quanto o mal, e somos capazes tanto de glorificar a Deus quanto de crucificá-lo novamente com nossas escolhas.

Oremos! E uma santa semana para todos…

                   ramos

Homilia Papa Francisco–Domingo de Ramos

Homilia completa do Papa Francisco na missa de hoje de Domingo de Ramos, Dia Mundial da Juventude, na Praça São Pedro:


1. Jesus entra em Jerusalém. A multidão dos discípulos acompanha-O em festa, os mantos são estendidos diante d’Ele, fala-se dos prodígios que realizou, ergue-se um grito de louvor: «Bendito seja o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas!» (Lc 19, 38).
Multidão, festa, louvor, bênção, paz: respira-se um clima de alegria. Jesus despertou tantas esperanças no coração, especialmente das pessoas humildes, simples, pobres, abandonadas, pessoas que não contam aos olhos do mundo. Soube compreender as misérias humanas, mostrou o rosto misericordioso de Deus, inclinou-Se para curar o corpo e a alma. E agora entra na Cidade Santa…
É um espetáculo lindo: cheio de luz, de alegria, de festa.
No início da Missa, também nós o reproduzimos. Agitámos os nossos ramos de palmeira e de oliveira, cantando: «Bendito o Rei que vem em nome do Senhor» (Antífona); também nós acolhemos Jesus; também nós manifestamos a alegria de O acompanhar, de O sentir perto de nós, presente em nós e no nosso meio, como um amigo, como um irmão, mas também como rei, isto é, como farol luminoso da nossa vida. E aqui temos a primeira palavra: alegria! Nunca sejais homens, mulheres tristes: um cristão não o pode ser jamais! Nunca vos deixeis invadir pelo desânimo! A nossa alegria não nasce do facto de possuirmos muitas coisas, mas de termos encontrado uma Pessoa: Jesus, de sabermos que, com Ele, nunca estamos sozinhos, mesmo nos momentos difíceis, mesmo quando o caminho da vida é confrontado com problemas e obstáculos que parecem insuperáveis… e há tantos! Nós acompanhamos, seguimos Jesus, mas sobretudo sabemos que Ele nos acompanha e nos carrega aos seus ombros: aqui está a nossa alegria, a esperança que devemos levar a este nosso mundo. Levemos a todos a alegria da fé!
2. Há uma pergunta, porém, que nos devemos pôr: Para que entra Jesus em Jerusalém? Ou talvez melhor: Como entra Jesus em Jerusalém? A multidão aclama-O como Rei. E Ele não Se opõe, não a manda calar (cf. Lc 19, 39-40). Mas, que tipo de Rei seria Jesus? Vejamo-Lo… Monta um jumentinho, não tem uma corte como séquito, nem está rodeado de um exército como símbolo de força. Quem O acolhe são pessoas humildes, simples. Jesus não entra na Cidade Santa, para receber as honras reservadas aos reis terrenos, a quem tem poder, a quem domina; entra para ser flagelado, insultado e ultrajado, como preanuncia Isaías na Primeira Leitura (cf. Is 50, 6); entra para receber uma coroa de espinhos, uma cana, um manto de púrpura (a sua realeza será objecto de ludíbrio); entra para subir ao Calvário carregado com um madeiro. E aqui temos a segunda palavra: Cruz. Jesus entra em Jerusalém para morrer na Cruz. E é precisamente aqui que refulge o seu ser Rei segundo Deus: o seu trono real é o madeiro da Cruz! Recordemos a eleição do rei David: Deus escolhe não o mais forte, o mais valoroso, mas o último, o mais novo, aquele que ninguém tinha considerado. O que conta não é a força terrena. Diante de Pilatos, Jesus diz: Eu sou Rei; mas a sua força é a força de Deus, que enfrenta o mal do mundo, o pecado que desfigura o rosto do homem. Jesus toma sobre Si o mal, a sujeira, o pecado do mundo, incluindo o nosso pecado, e lava-o; lava-o com o seu sangue, com a misericórdia, com o amor de Deus. Olhemos ao nosso redor… Tantas feridas infligidas pelo mal à humanidade: guerras, violências, conflitos económicos que atingem quem é mais fraco, avidez de dinheiro, de poder, corrupção, divisões, crimes contra a vida humana e contra a criação! E os nossos pecados pessoais: as faltas de amor e respeito para com Deus, com o próximo e com a criação inteira. Na cruz, Jesus sente todo o peso do mal e, com a força do amor de Deus, vence-o, derrota-o na sua ressurreição. Queridos amigos, todos nós podemos vencer o mal que existe em nós e no mundo: com Cristo, com o Bem! Sentimo-nos fracos, inaptos, incapazes? Mas Deus não procura meios poderosos: foi com a cruz que venceu o mal! Não devemos crer naquilo que o Maligno nos diz: não podes fazer nada contra a violência, a corrupção, a injustiça, contra os teus pecados! Não devemos jamais habituar-nos ao mal! Com Cristo, podemos transformar-nos a nós mesmos e ao mundo. Devemos levar a vitória da Cruz de Cristo a todos e por toda a parte; levar este amor grande de Deus. Isto requer de todos nós que não tenhamos medo de sair de nós mesmos, de ir ao encontro dos outros. Na Segunda Leitura, São Paulo diz-nos que Jesus Se despojou de Si próprio, assumindo a nossa condição, e veio ao nosso encontro (cf. Fil 2, 7). Aprendamos a olhar não só para o alto, para Deus, mas também para baixo, para os outros, para os últimos. E não devemos ter medo do sacrifício. Pensai numa mãe ou num pai: quantos sacrifícios! Mas porque os fazem? Por amor! E como os enfrentam? Com alegria, porque são feitos pelas pessoas que amam. Abraçada com amor, a cruz de Cristo não leva à tristeza, mas à alegria.
3. Hoje, nesta Praça, há tantos jovens. Desde há 28 anos que o Domingo de Ramos é a Jornada da Juventude! E aqui aparece a terceira palavra: jovens! Queridos jovens, imagino-vos fazendo festa ao redor de Jesus, agitando os ramos de oliveira; imagino-vos gritando o seu nome e expressando a vossa alegria por estardes com Ele! Vós tendes um parte importante na festa da fé! Vós trazeis-nos a alegria da fé e dizeis-nos que devemos viver a fé com um coração jovem, sempre… mesmo aos setenta, oitenta anos! Com Cristo, o coração nunca envelhece. Entretanto todos sabemos – e bem o sabeis vós – que o Rei que seguimos e nos acompanha, é muito especial: é um Rei que ama até à cruz e nos ensina a servir, a amar. E vós não tendes vergonha da sua Cruz; antes, abraçai-la, porque compreendestes que é no dom de si mesmo que se alcança a verdadeira alegria e que Deus venceu o mal com o amor. Vós levais a Cruz peregrina por todos os continentes, pelas estradas do mundo. Levai-la, correspondendo ao convite de Jesus: «Ide e fazei discípulos entre as nações» (cf. Mt 28, 19), que é o tema da Jornada da Juventude deste ano. Levai-la para dizer a todos que, na cruz, Jesus abateu o muro da inimizade, que separa os homens e os povos, e trouxe a reconciliação e a paz. Queridos amigos, na esteira do Beato João Paulo II e de Bento XVI, também eu me ponho a caminho convosco. Já estamos perto da próxima etapa desta grande peregrinação da Cruz de Cristo. Olho com alegria para o próximo mês de Julho, no Rio de Janeiro. Vinde! Encontramo-nos naquela grande cidade do Brasil! Preparai-vos bem, sobretudo espiritualmente, nas vossas comunidades, para que o referido Encontro seja um sinal de fé para o mundo inteiro.
Vivamos a alegria de caminhar com Jesus, de estar com Ele, levando a sua Cruz, com amor, com um espírito sempre jovem!
Peçamos a intercessão da Virgem Maria. Que Ela nos ensine a alegria do encontro com Cristo, o amor com que O devemos contemplar ao pé da cruz, o entusiasmo do coração jovem com que O devemos seguir nesta Semana Santa e por toda a nossa vida. Amen.

20 março, 2013

Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (Sl 85,1: CCL39,1176-1177) (Séc.V)

Jesus Cristo ora por nós, ora em nós,

e recebe a nossa oração

Deus não poderia conceder dom maior aos homens do que dar-lhes como Cabeça a sua Palavra,

pela qual criou todas as coisas, e a ela uni-los como membros, para que o Filho de Deus fosse

também filho do homem, um só Deus com o Pai, um só homem com os homens. Por

conseguinte, quando dirigimos a Deus nossas súplicas, não separemos dele o Filho; e, quando o

Corpo do Filho orar, não separe de si sua Cabeça. Deste modo, o único salvador de seu corpo,

nosso Senhor Jesus Cristo, é o mesmo que ora por nós, ora em nós e recebe a nossa oração.

Ele ora por nós como nosso sacerdote; ora em nós como nossa cabeça e recebe a nossa oração

como nosso Deus.

Reconheçamos nele a nossa voz, e em nós a sua voz. E quando se disser sobre o Senhor Jesus,

sobretudo nos profetas, algo referente àquela humilhação aparentemente indigna de Deus, não

hesitemos em lhe atribuir, já que ele não hesitou em fazer-se um de nós. É a ele que toda a

criação serve, porque todo o universo é obra de suas mãos.

Por isso, contemplamos sua divindade e majestade, quando ouvimos: No princípio era a

Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. No princípio estava ela com

Deus. Tudo foi feito por ela e sem ela nada se fez (Jo 1,1-3). Mas se nesta passagem

contemplamos a divindade do Filho de Deus que supera as mais excelsas criaturas, ouvimos

também em outras passagens da Escritura o mesmo Filho de Deus que geme, ora e louva.

Hesitamos então em atribuir-lhe tais palavras, porque nosso pensamento reluta em passar da

contemplação de sua divindade à sua humilhação, como se fosse uma injúria reconhecer como

homem aquele a quem orávamos como a Deus; por isso, o nosso pensamento fica muitas vezes

perplexo, e esforça-se por alterar o sentido das palavras. Porém, não encontramos na Escritura

recurso algum para aplicar tais palavras senão ao Filho de Deus, sem jamais separá-las dele.

Despertemos, pois, e estejamos vigilantes na fé. Consideremos aquele que assumiu a condição

de servo, a quem há pouco contemplávamos na condição de Deus; tornando-se semelhante aos

homens e sendo visto como homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte

(cf. Fl 2,7-8). E quis tornar suas as palavras do salmo, ao dizer, pregado na cruz: Meu Deus,

meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,1).

Ele ora na sua condição de servo, e recebe a nossa oração na sua condição de Deus; ali é

criatura, aqui o Criador; sem sofrer mudança, assumiu a condição mutável da criatura, fazendo

de nós, juntamente comele, um só homem, cabeça e corpo. Nossa oração, pois, se dirige a ele,

por ele e nele; oramos juntamente com ele e ele ora juntamente conosco.

19 março, 2013

AFINIDADE

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
... Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.
Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.
Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.
Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.
Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.
A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.
Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido?
A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem.
Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.
Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,
plantios de resultado diverso.
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.
Arthur da Távola

10 março, 2013

Filho pródigo, Pai misericordioso.

A parábola do filho pródigo revela muito mais o Pai misericordioso do que o próprio filho - ou os filhos, cada um na sua especificidade. Amo pensar que Deus me ama como sou, me recebe como estou mas não pretende me deixar assim. Ele quer me dar vestes novas, um anel no dedo e sandálias aos pés, tirando-me da minha miséria e recuperando o que estava perdido. Da mesma forma, quer me mostrar, quando sou o outro filho, indignado com a recepção do irmão mais novo tão festiva após renegar sua família e esbanjar os bens do pai, que para Deus não importa quem você é, o que faz, desde que volte para seus braços; Ele ama a todos igualmente!
Obrigada, meu Deus, por me mostrar que posso ser tanto um quanto outro irmão em tantos e diversos momentos da minha vida. Acima de tudo, obrigada por me acolher não importando qual deles eu seja.
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"O amor de Deus não depende de nosso arrependimento ou de nossas mudanças internas ou externas. Quer eu seja o filho mais jovem ou o mais velho, o único desejo de Deus é o de me fazer voltar para casa". (Henri Nouwen - A volta do filho pródigo)

 

                       filho_prodigo1

04 março, 2013

Ofício das Leituras–3ª feira-3ª semana da quaresma

Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo

(Sermo 43: PL 52,320.322)

(Séc.IV)

O que a oração pede, o jejum o alcança e a misericórdia o recebe

Há três coisas, meus irmãos, três coisas que mantêm a fé, dão firmeza à devoção e perseverança à virtude. São elas a oração, o jejum e a misericórdia. O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente. O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas. Quem jejua, pense no sentido do jejum; seja sensível à fome dos outros quem deseja que Deus seja sensível à sua; seja misericordioso quem espera alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça; quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si. Homem, sê para ti mesmo a medida da misericórdia;deste modo alcançarás misericórdia como quiseres, quanto quiseres e com a rapidez que quiseres; basta que te compadeças dos outros com generosidade e presteza. Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração,jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas. Reconquistemos pelo jejum o que perdemos por não saber apreciá-lo; imolemos nossas almas pelo jejum, pois nada melhor podemos oferecer a Deus como ensina o Profeta: Sacrifício agradável a Deus é um espírito penitente; Deus não despreza um coração arrependido e humilhado (cf. Sl 50,19). Homem, oferece a Deus a tua alma, oferece a oblação do jejum, para que seja uma oferenda pura, um sacrifício santo, uma vítima viva que ao mesmo tempo permanece em ti e é oferecida a Deus. Quem não dá isto a Deus não tem desculpa, porque todos podem se oferecer a si mesmos. Mas, para que esta oferta seja aceita por Deus, a misericórdia deve acompanhá-la; o jejum só dá frutos se for regado pela misericórdia, pois a aridez da misericórdia faz secar o jejum. O que a chuva é para a terra, é a misericórdia para o jejum. Por mais que cultive o coração, purifique o corpo, extirpe os maus costumes e semeie as virtudes, o que jejua não colherá frutos se não abrir as torrentes da misericórdia. Tu que jejuas, não esqueças que fica em jejum o teu campo se jejua a tua misericórdia; pelo contrário, a liberalidade da tua misericórdia encherá de bens os teus celeiros. Portanto, ó homem, para que não venhas a perder por ter guardado para ti, distribui aos outros para que venhas a recolher; dá a ti mesmo, dando aos pobres, porque o que deixares de dar aos outros, também tu não o possuirás.

Jeremias 1

frase

03 março, 2013

Deus é paciente…

O Evangelho de hoje, sobre a figueira que não dava frutos, me levou a refletir sobre uma realidade diária do ser humano… A necessidade de criar raízes em Deus para dar bons frutos para Ele.

Então me recordei de uma árvore que fica em frente à minha casa, aqui no meu quintal. Ela dá, todo ano, e em diversas estações, lindas flores amarelas. No entanto, quando chove forte ou venta muito, e ela está com galhos muito carregados, o tronco não aguenta o peso, e ela vira, deixando expostas suas raízes. Isso já aconteceu cinco vezes, e em todas elas, tivemos que podar seus galhos, para depois levantá-la e firmá-la ao solo novamente, para que suas raízes pudessem fixar-se e ela florescesse de novo. Da última vez em que caiu, percebemos que havia um formigueiro em sua base, que deixou a terra mais fofa, diminuindo assim a adesão  ao solo. Em todas as vezes, essa árvore voltou a fincar suas raízes no solo, e com o tempo, ficou bela e frondosa novamente. Como fiquei alegre todas as vezes que vi os pequenos brotos em seus galhos novamente, sinal de que tinha dado certo, a árvore estava viva, e iria, mais uma vez, iluminar minhas manhãs quando eu abrisse a porta de casa e visse as flores em seus galhos.

A partir dessa reflexão, lembrei-me de que também Deus faz assim conosco! Nosso Pai nos ama, é paciente e nos dá a cada amanhecer uma nova chance.

As tempestades e ventanias da vida muitas vezes arrancam nossas raízes de Deus… só que longe dele, não podemos viver! Às vezes, a “terra” à nossa volta fica tão fofa que nossas raízes se desprendem com facilidade… as “formigas” que nos rodeiam, em muitas ocasiões nos deixam fracos… sem forças para nos agarrarmos em Deus como deveríamos. Falta de oração, de leitura da Palavra, de momentos a sós com Deus para fincar NEle nossas raízes. Deixamos Deus de lado pelas coisas do mundo. São as “formigas” desta árvore que somos nós.

Mas então vem nosso Pai… bondoso como o operário daquela vinha… e nos dá uma nova chance, A CADA VEZ EM QUE ISSO ACONTECE. Ele não mede esforços para que suas “árvores” dêem frutos. Acolhe-nos. Poda-nos. Levanta-nos. E espera. Só que Deus não invade nosso território… para que isso aconteça, é preciso que nós, como aquela árvore, nos deixemos tocar por Ele. Deixemos que Ele nos pode… e a poda dói. Muito. Que Ele retire de nós tudo aquilo que nos impede de nos aproximarmos mais dele, de “fincarmos nossas raízes” nEle. Deixemos que Ele nos levante, porque sozinhos não podemos, não temos forças…não somos nada. E finalmente, depois de um tempo, daremos novos frutos. floresceremos de uma forma ainda mais bonita. E imagine a alegria de Deus ao ver nosso “renascimento”! Ele espera por isso todos os dias… espera poder “abrir as janelas do céu” e ver seus filhos, suas “árvores” frondosas, cheias de flores e frutos.

Esse é o nosso Deus. Um Deus de amor. Um Deus paciente. Um Deus misericordioso.

Que possamos, a cada dia, identificar quais são as “formigas” que nos rodeiam e impedem de fincar em Deus nossas raízes. Principalmente, que aprendamos a nos deixar tocar pelo Seu amor misericordioso e infinito. ELE É BOM!

 

(Cf. Lucas 13, 6-8)

18 janeiro, 2013

Feliz 2013!

Estou há um bom tempo longe daqui... mas como esse início de ano foi bem agitado, resolvi passar pra compartilhar um pouco com vcs. Primeiro, virada do ano: na Comunidade Bom Pastor, entre irmãos e amigos. Como sempre, foi muito bom e começamos em oração, o que faz TODA A DIFERENÇA.
E então, depois de uma noite em comunhão, parti pra casa, pensando em descansar.... mas um ônibus não tinha os mesmos planos, e me pegou pelo meio... literalmente. Perda total no carro. E o início de uma saga. Dessa vez, fui pro hospital, mas estava do OUTRO LADO. Paciente. E como é preciso ser paciente! Principalmente na rede pública.

O primeiro atendimento foi no Hospital Municipal Salgado Filho, pois é assim que tem que ser. Os bombeiros te levam sempre pro hospital público mais próximo. Eu já tinha meu pé atrás pois meu pai morreu lá. Infelizmente, meus piores temores se confirmaram. Atendimento péssimo, e estou falando de recursos HUMANOS mesmo. Ou seriam DESUMANOS? Ainda tento entender o que faz alguém escolher uma carreira na área da saúde e tratar a vida humana com tão pouco caso... Resumindo: foram 7 horas em cima da prancha , com colar cervical e head-block, mais 1h30 esperando a liberação para partir para outro hospital. As piores horas da minha vida. Só pra ter uma ideia (senão não acabo hoje): cheguei na sala de trauma, morrendo de dor, às 7h20. O primeiro profissional que se dignou a falar comigo, o fez às 8h30, abrindo um bocejo bem grande na minha cara. Eu estava cheia de vidro do carro embaixo de mim, vários cortes no braço, e em NENHUM MOMENTO houve uma avaliação para saber a extensão das lesões. Horas no corredor, sozinha na prancha, esperando RX. Depois, outra novela para achar um neuro para liberar a retirada do head block e colar cervical para que eu pudesse, finalmente, me sentar. E dor. MUITA DOR. Indescritível dor. Em dado momento, se não tivesse tanta dor e falta de ar, teria me extressado feio com uma dita "enfermeira" daquele setor. Totalmente anti-ética, anti-humana, anti-tudo. Uma grossa. Mas só consegui chorar, não tinha forças. Dois arcos costais fraturados, cortes no ombro e braço esquerdo. Alívio eu senti quando finalmente pude me sentar, pois a esta altura a dor não era só da fratura, mas da coluna toda retesada na prancha por 7 horas. Antes que eu fosse embora daquele purgatório, apareceu, enfim um profissional que honra a carreira que escolheu. Um técnico de enfermagem me trouxe água e resolveu dar uma olhada e fazer um curativo nos meus cortes. Não me lembro o nome dele... aliás, acho que ele nem falou. Era mesmo um anjo. 
E no meio disso tudo outros anjos. Amigos de verdade. Ricardo e Isabelle, que foram prontamente para o local do acidente para que fosse realizado o BRAT enquanto Rodrigo e eu éramos atendidos na ambulância, e levaram nossas coisas pra casa para guardar. Viviane e Fábio, que num total desprendimento (ela grávida de gêmeas no sétimo mês, com as pernas muito inchadas e dores), foram até o hospital e nos ajudaram a resolver tudo para que a liberação fosse mais rápida. Realmente, posso comprovar: amigos de verdade são anjos que Deus envia para nossas vidas, e jamais poderei agradecer como merecem!

Liberação feita, minha mãe nos buscou (porque não tinha ambulância nem do plano de saúde) e levou para o Copa D'Or. Dei entrada pela emergência direto. Lá, mais exames: hemograma, EAS, tomografia de tórax, abdomen e pelve. E dor. Impossível descrever a dor que senti ao precisar deitar para a realização do exame. Mas o atendimento era de outro nível, analgesia, atenção médica e de enfermagem para todos os detalhes. Confirmadas as fraturas de 8º e 9º arcos costais, internação. Quarto simples, um alívio por finalmente poder descansar e me alimentar. Medicação venosa, equipe atenciosa. Como eu já havia trabalhado lá, a notícia correu rápido já no dia seguinte foram muitas visitas "internas". 4 dias de internação transcorreram, alguns mais difíceis, só dormia sentada, e quando tentaram tirar a medicação venosa passei tão mal que tiveram que fazer morfina.  No 5° dia, logo cedo, ao verificar os sinais vitais, queda de saturação: 80%. RX, CTI... fiquei nervosa, chorei. Mas sabia que era necessário. Um hemotórax ocupava 2/3 do meu pulmão direito. Drenagem - 1,4l de sangue. Queda de hematócrito. Quase três dias de CTI. Semi-intensiva. Melhorando aos poucos... no 3° dia o dreno foi retirado. E alta hospitalar após 10 dias. Graças a Deus! 
Durante todo esse tempo, só tenho a agradecer a presença incansável da minha mãe Marli e da minha prima Edith., o apoio do meu namorado Rodrigo, que apesar de muito abalado seguia firme ao meu lado. E, é claro, à dedicação de toda a equipe médica e especialmente de enfermagem da emergência, 10º andar, CTI geral Amarelo, 6° andar (semi intensiva). Não lembro todos os nomes, por isso não citarei para não ser injusta.

Sempre falei que tinha saudades daquele local de trabalho e que queria voltar pra lá, mas não era desse jeito... Isso até virou motivo de piada, pra descontrair. 

Agora estou em casa, me recuperando no aconchego do lar e da família. Minha afilhada Maria Isabel e minha mãe seguem cuidando de mim, me ajudando no necessário.Tenho momentos difíceis, inclusive emocionalmente, mas sigo em frente. Aos poucos vou recuperando capacidade respiratória e amplitude de movimento, seguindo fazendo exames de revisão. Um pouco triste, pois tive que entrar de licença pelo INSS, e não sei por quanto tempo ficarei afastada do trabalho. Mas sei que é necessário e farei tudo certinho, pra logo ficar 100%.

Agradeço a Deus pela vida, a minha e do meu namorado que estava no acidente comigo, e lhe ofereço todas as dores e dificuldades. 

"Não morrerei, ao contrário, viverei, para narrar a Sua bondade entre os povos"...