20 março, 2013

Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (Sl 85,1: CCL39,1176-1177) (Séc.V)

Jesus Cristo ora por nós, ora em nós,

e recebe a nossa oração

Deus não poderia conceder dom maior aos homens do que dar-lhes como Cabeça a sua Palavra,

pela qual criou todas as coisas, e a ela uni-los como membros, para que o Filho de Deus fosse

também filho do homem, um só Deus com o Pai, um só homem com os homens. Por

conseguinte, quando dirigimos a Deus nossas súplicas, não separemos dele o Filho; e, quando o

Corpo do Filho orar, não separe de si sua Cabeça. Deste modo, o único salvador de seu corpo,

nosso Senhor Jesus Cristo, é o mesmo que ora por nós, ora em nós e recebe a nossa oração.

Ele ora por nós como nosso sacerdote; ora em nós como nossa cabeça e recebe a nossa oração

como nosso Deus.

Reconheçamos nele a nossa voz, e em nós a sua voz. E quando se disser sobre o Senhor Jesus,

sobretudo nos profetas, algo referente àquela humilhação aparentemente indigna de Deus, não

hesitemos em lhe atribuir, já que ele não hesitou em fazer-se um de nós. É a ele que toda a

criação serve, porque todo o universo é obra de suas mãos.

Por isso, contemplamos sua divindade e majestade, quando ouvimos: No princípio era a

Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. No princípio estava ela com

Deus. Tudo foi feito por ela e sem ela nada se fez (Jo 1,1-3). Mas se nesta passagem

contemplamos a divindade do Filho de Deus que supera as mais excelsas criaturas, ouvimos

também em outras passagens da Escritura o mesmo Filho de Deus que geme, ora e louva.

Hesitamos então em atribuir-lhe tais palavras, porque nosso pensamento reluta em passar da

contemplação de sua divindade à sua humilhação, como se fosse uma injúria reconhecer como

homem aquele a quem orávamos como a Deus; por isso, o nosso pensamento fica muitas vezes

perplexo, e esforça-se por alterar o sentido das palavras. Porém, não encontramos na Escritura

recurso algum para aplicar tais palavras senão ao Filho de Deus, sem jamais separá-las dele.

Despertemos, pois, e estejamos vigilantes na fé. Consideremos aquele que assumiu a condição

de servo, a quem há pouco contemplávamos na condição de Deus; tornando-se semelhante aos

homens e sendo visto como homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte

(cf. Fl 2,7-8). E quis tornar suas as palavras do salmo, ao dizer, pregado na cruz: Meu Deus,

meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,1).

Ele ora na sua condição de servo, e recebe a nossa oração na sua condição de Deus; ali é

criatura, aqui o Criador; sem sofrer mudança, assumiu a condição mutável da criatura, fazendo

de nós, juntamente comele, um só homem, cabeça e corpo. Nossa oração, pois, se dirige a ele,

por ele e nele; oramos juntamente com ele e ele ora juntamente conosco.

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