24 dezembro, 2010

Um menino nos foi dado…

O tema deste artigo não poderia ser outro que o Natal de Jesus. Contudo, vou apresentá-lo sob um enfoque um pouco diferente do habitual, fazendo uma breve retrospectiva dos fatos e personagens que prepararam esse momento decisivo na história da humanidade: a Encarnação do Filho de Deus.
A celebração do Natal nos recorda que Deus veio a nós, para reconduzir a si os homens, que se haviam afastado e perdido, chamando-os de volta ao seu amor. Como ensina São João: “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
A vinda do Filho completou nosso conhecimento a respeito de Deus, ensinando-nos que Ele é Uno, e também Trino, o que só podemos compreender pela Revelação e acolher pela fé. Assim, a misericórdia divina se manifestou da maneira mais clara possível. Um acidente, como o pecado, não poderia destruir o plano de Deus, pois o que Ele começou, certamente levará a bom termo, como diz São Paulo: “Estou persuadido de que Aquele que iniciou em vós esta obra excelente lhe dará o acabamento até o dia de Jesus Cristo” (Fl 1,6).
Toda a Antiga Aliança foi uma preparação para o Natal. Durante muitos séculos, a pedagogia divina guiou o povo escolhido, purificando-o através de provações, travessias do deserto, guerras, catástrofes e cativeiros. Nessas peripécias, destacaram-se homens extraordinários, figuras emblemáticas da poderosa ação divina nas vidas daqueles que foram constituídos em missão redentora ou salvífica.
Dentre tantos nomes, podemos citar Noé, preservado do dilúvio, porque Deus o considerou justo e fiel; Abraão, pai do povo escolhido e de todas as futuras gerações, herdeiras da mesma fé. É comovente a história de José do Egito: personagem fiel à Aliança e à pureza de seus ideais, figura do Salvador, que resgata sua própria família da morte. Posteriormente, temos em Moisés o grande líder da libertação do povo, quando este já se havia tornado escravo no Egito.
Sem deter-nos nos Juízes, apesar de sua importante missão de guiar o povo, em momentos cruciais da sua história, passamos à realeza de Israel. Evidentemente, há que se destacar Davi. Homem de fortes contradições, foi um grande rei, porém, ao mesmo tempo, vil traidor de princípios morais elementares. Sua grandeza encontra-se no arrependimento e na submissão a Deus, que se manteve fiel às promessas que lhe fizera. Ainda entre os grandes líderes de Israel, aparecem os Macabeus, heróis nas lutas contra o jugo dos soberanos selêucidas.
Como não lembrar os profetas? Impossível citá-los todos, pois sua linhagem remonta a Samuel e Elias, passando por Isaías, Jeremias, Ezequiel, até Daniel, isto sem falar dos chamados “profetas menores”. Homens escolhidos por Deus, dedicaram suas vidas a proclamar a Palavra, como pertinazes anunciadores do Messias, como vozes autorizadas do Altíssimo.
Podemos destacar, também, os grandes poetas, cantores do louvor de Deus, na Liturgia e nas celebrações que se faziam no templo, construído por Salomão. Novamente, lembramos a figura de Davi, o maior compositor, dentre os salmistas e cantores.
A literatura sapiencial ensina a ciência da vida, e reflete sobre os mais profundos valores de Israel, expressos através de dizeres, normas e relatos. Aí encontramos personagens como Jó, figura do homem sofredor, cuja vida antecipa a compreensão do sentido redentor do sofrimento, plenamente vivido por Jesus Cristo. Outro destaque é Tobias, o homem que enterrava os insepultos, inaugurando um tipo de obra de caridade, até então desconhecido.
As mulheres extraordinárias de Israel exerceram missões fundamentais para seu povo, seja pela coragem, como Judite, pela generosidade, como Ester e Rute, ou pela maternidade miraculosa, como Ana e Isabel. Assinalamos suas virtudes e seu heroísmo, como uma preparação para a vinda de Maria, em quem todas essas virtudes se somaram, para constituir a mais bela filha de Sião.
Todos esses mártires e heróis do passado prepararam o caminho para a Nova Aliança, deixando-nos uma herança que entrou na história do povo eleito e, até mesmo, na genealogia de Jesus. Assim, “quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gl 4,4-5). Essa mulher é Maria de Nazaré, uma jovem nascida entre o povo simples, porém agraciada com a plenitude da santidade de Deus, para a grandiosa missão de ser Mãe do Salvador, conforme lhe anunciou o Arcanjo Gabriel (cf. Lc 1,26-38).
Cumprindo a promessa, a linhagem davídica de Jesus veio através de José, seu pai adotivo. Apesar do parentesco real, José era um operário, que ganhava a vida com o fruto de seu trabalho. A grandeza daquele homem não estava nos títulos, mas na profunda fidelidade a Deus e na admirável nobreza de sentimentos e atitudes, que o levaram a aceitar Maria como esposa, nas condições mais incríveis para um mero juízo humano, ainda mais, no âmbito das tradições daquela época. Era tudo novo e incomum.
E veio Jesus, como definitiva manifestação de Deus e esperança da humanidade. Nunca a história humana conheceu tamanha alegria, como naquele momento. Houve vários convidados para participar dessa alegria. Em primeiro lugar, a gente simples do campo. Esta é uma lição para nós: os pastores eram pessoas socialmente inferiores, segundo a concepção dos judeus daquele tempo. Mas foram chamados pelos próprios anjos, que também cantaram extraordinariamente na noite em que Jesus nasceu. Quão bela deve ter sido essa sinfonia angelical, ecoando nos descampados onde eles pastoreavam os seus rebanhos!
De terras distantes, foram chamados, através do sinal de uma estrela, os Sábios do Oriente. Outra lição para nós: sem hesitar, põem-se a caminho, enfrentando todo o tipo de peripécias. Finalmente, chegam e se ajoelham em adoração àquela pequenina Criança, aninhada nos braços de Maria. A fé os levou a reconhecer, naquele Menino, o Rei de Israel.
Nós, também, somos convidados a participar desta cena, como novos visitantes adoradores, juntando-nos aos personagens que compõem o presépio. Devemos estar repletos da alegria do Natal. Se não a temos, é ali mesmo que vamos encontrá-la, na autêntica fonte, o Menino-Deus.
A todos os nossos leitores desejo esta alegria, prenúncio da verdadeira felicidade, que Jesus veio trazer à humanidade inteira, e especialmente a nós, que contemplamos, maravilhados, a maior prova do amor de Deus pela humanidade: “Um dia apareceu a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens” (Tt 3,4).

Dom Eusébio Oscar Scheid – Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

Todos os direitos reservados a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro © 2009

Extraído do Site http://www.arquidiocese.org.br

Nenhum comentário: